O Sandplay e eu – uma relação de amor e ódio*

Ruth Ammann é analista junguiana e arquiteta em Zurique, na Suíça onde hoje atua como palestrante e supervisora e também como curadora do Arquivo de Imagens do C.G.Jung Institute em Küsnacht. Ruth ocupou por muitos anos a presidência da ISST trabalhando em prol do desenvolvimento deste método por todo o mundo.

Ruth AMMANN

O que me atraiu ao Sandplay com certeza não foi uma miniatura, mas a areia, o corpo, o material de construção!

Ou não … acho que posso dizer que quem me seduziu de fato foi a própria Dora Kalff, com uma pequena ajuda de meu irmão Peter, que no verão de 1972 trabalhava com ela na produção de um  vídeo sobre Sandplay .  Nessa época eu havia deixado a profissão de arquiteta e estudava no Instituto C.G.Jung em Zürich para me tornar uma analista junguiana. Nesse tempo o Sandplay não era ensinado no Instituto e o curso, no geral, era bastante intelectual. Para falar a verdade, durante minha formação para me tornar analista junguiana eu senti falta do trabalho com as mãos que realizava como arquiteta.

Um dia, recebi o convite de Peter Ammann para me juntar ao grupo de filmagem, e eu entrei assim, pela porta dos fundos, na casa de Kalff diretamente na aconchegante sala de Sandplay. Fiquei assistindo a equipe de filmagem e mais tarde encontrei Dora Kalff. Tivemos uma conversa agradável e de repente ela me perguntou sorrindo: “Por que você não vem fazer um processo de Sandplay?”

Eu fui e gostei, porque isto me ajudou a usar as habilidades manuais, artísticas e esculturais, que faziam parte da minha vida desde a infância e que naturalmente, haviam sido muito bem utilizadas em minha profissão anterior. No entanto, fiz o processo em paralelo com minha formação junguiana e minha análise pessoal.

Para minha surpresa, assim que terminei meu processo pessoal Mrs. Kalff me convidou para trabalhar com ela como sua assistente, o que equivaleria fazer uma espécie de estágio em seu consultório. É claro que gostei da idéia e como uma iniciante esforçada trabalhei muito, durante três anos, numa segunda salinha de Sandplay que havia em seu consultório. Foi uma época muito boa, eu aprendi muito, tanto com as supervisões de Dora Kalff, quanto com as crianças que eu atendia, tanto que não me sentia mais uma iniciante quando mais tarde me submeti ao exame da metade do curso do Jung Institute, e tinha que começar a atender adultos em meu próprio consultório.

Ao final da minha formação no Instituto, escrevi minha tese de formatura sobre o processo de Sandplay de uma criança. Foi a primeira tese no Jung Institute sobre a terapia de Sandplay e sobre um caso infantil. Eu fui muito bem sucedida, e desde então passei a ensinar Sandplay, e assim, o método foi cada vez mais se incorporando ao programa de formação do Instituto.

Os analistas junguianos sempre utilizaram sonhos, pinturas e imaginação ativa como formas de trazer à luz o material inconsciente. No entanto, a inclusão do Sandplay no curso de formação trouxe uma ferramenta nova e muito especial à orientação psicodinâmica da Psicologia Analítica. Freud chamou os sonhos de “Via regia” para o inconsciente. Fantasiando um pouco, poderíamos chamar o desenho e a pintura de “Via emotionalis” para o inconsciente, e finalmente eu chamaria o Sandplay de “Via corporis” ao inconsciente.

Com isto quero enfatizar que – para mim – não são as miniaturas a parte mais importante do Sandplay, porque miniaturas são também parte da terapia lúdica (ludoterapia) e outras técnicas terapêuticas. A areia e a água são essenciais. E por que? A areia e a água tornam o Sandplay único porque areia é corpo, as estruturas e formas na areia nos dizem muito sobre a condição física do cliente. Portanto, o Sandplay é um instrumento extremamente precioso dentro da Psicologia Analítica, e mesmo no campo da medicina. Deste ponto de vista, podemos dizer que o Sandplay traz o corpo como componente importante e ancora fisicamente a Psicologia Analítica.

Além disso, a transferência, contratransferência e ressonância são, do meu ponto de vista, os elementos mais efetivos em um processo terapêutico. A ressonância acontece através de ondas e vibrações, que necessitam porém de um meio através do qual se propagar: para as ondas  o meio é a água, para o som é o ar, para a terapia de Sandplay é principalmente a areia que absorve as vibrações sutis das sensações e emoções corporais e as transmite tanto para o cliente quanto para o terapeuta.

Estes são os aspectos que mais aprecio e amo na terapia de Sandplay. Mas quais são os que eu não gosto, que eu odeio no campo do Sandplay?

Para mim, torna-se problemático quando o Sandplay é usado sem os fundamentos da psicologia junguiana, quando a terapia de Sandplay é utilizada sem uma formação terapêutica apropriada. Naturalmente, o Sandplay pode ser usado como uma maravilhosa brincadeira – na Suíça, toda criança tem acesso a uma caixa de areia, seja na família ou em jardins públicos, em jardins de infância ou escolas. Nestas caixas de areia as crianças experimentam alegria e criatividade; apenas cavando, formando, trabalhando, elas se sentem felizes e relaxadas quando voltam para casa. Mas não chamamos isto de terapia de Sandplay, ninguém é pago para olhar as crianças, não é um trabalho.

Na realidade, estou muito preocupada com a disseminação rápida do “Sandplay” no mundo sem uma base de conhecimento suficiente da psicologia Junguiana ou dos processos psicodinâmicos. Isto rebaixa este método especial a uma espécie de brincadeira com miniaturas, o que com certeza pode ser efetivo até certo ponto, mas perde o que é único no Sandplay – sua capacidade de transformação e amadurecimento holístico da personalidade através de um profundo diálogo pessoal entre o consciente e o inconsciente, o físico e o psíquico, aspectos emocionais e reflexivos, e integrando os insights que ocorrem na vida diária. Além da compreensão, extremamente importante, da caixa de areia como um campo terapêutico entre cliente e terapeuta, no qual todos os delicados e complicados aspectos da transferência clássica, da transferência emocional e da ressonância podem se desenvolver. Observar a desvalorização deste método tão rico, efetivo e prazeroso me é dolorosa.

Eu faço votos para que o IBTSANDPLAY continue proporcionando o ensino da formação bem fundamentada de Sandplay conforme eu pude testemunhar nas muitas vezes em que estive trabalhando no Brasil.

*Livre tradução de Lucia Azevedo

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