Entrevista: HARRIET FRIEDMAN, MA, MFT, analista junguiana e terapeuta de sandplay (H)*

Harriet S. Friedman é terapeuta de casal e família, analista junguiana com consultório em Los Angeles – CA. Ela faz parte do corpo dos membros-fundadores do Sandplay Therapists of America, e membro da diretoria do ISST; também fez parte da Diretoria do Jung Institute of Los Angeles e da Diretoria do Hilde Kirsch Children’s Center. Ela é co-autora junto com Rie Rogers Mitchell de “Sandplay: Past, Present and Future“ e “Supervision of Sandplay” , tendo publicado inúmeros artigos em Journals e em capítulos de livros. Harriet faz parte do grupo de ensino do Jung Institute de L.A. e profere palestras, nacional e internacionalmente, integrando sandplay e psicologia junguiana.

Entrevistadora: Marion Anderson, PhD

*Livre tradução de Ana Maria Colicchio Sbrissa.

M: Olá Harriet. Como vai você?

H: Animada para conversar com você sobre sandplay.

M: Hoje eu gostaria de entrevistar você a respeito do sandplay, para a Revista brasileira online de Sandplay. As pessoas no Brasil certamente querem saber mais sobre você como terapeuta sênior de sandplay e professora experiente.

H: As pessoas querem saber sobre mim?

M: Sim. Talvez possamos começar com um pouco de sua história pessoal. Como você começou a se interessar por sandplay?

H: A analista com quem eu trabalhava na época era uma grande amiga de Dora Kalff. Dora viria para Los Angeles em breve e faria uma palestra. Minha analista disse: “isso é algo que você deve ir”. Quando ela veio, fui assisti-la e fiquei totalmente encantada com o que ela dizia; em especial, senti-me, de algum modo, profundamente tocada quando ela falou sobre sandplay. Imediatamente me senti atraída pelo que ouvi e vi. Também levei meus próprios filhos para fazer sandplay e alguns trabalhos de arte com Dora. Quando conversamos, ela disse: “Você parece muito interessada no meu trabalho. Gostaria de vir à Suíça? Fiquei muito animada e, claro, aceitei o convite. Rapidamente me organizei para deixar meus três filhos pequenos por duas semanas com meu marido e amigos e, em dois meses, fui para a Suíça visitar e realmente trabalhar com essa mulher tão especial, montando cenários na areia. Eu estava muito animada e não tinha idéia de como seria, para mim, passar duas semanas com Dora.

M: E como você estudou e fez o treinamento em sandplay?

H: Todos os dias pela manhã, cinco dias por semana, caminhava até a casa de Dora Kalff para montar uma cena na caixa de areia. Três vezes por semana, voltava à tarde, para participar dos seminários que ela ministrava. Quando tinha tempo livre, fazia alguns cursos no Instituto Jung, que ficava próximo de onde eu estava hospedada.

 A cada vez, no dia anterior à minha partida de volta para casa, ela se sentava comigo e, então, mostrava todas as fotos das cenas que eu havia feito e conversávamos sobre elas. Eu diria que a minha maior professora foi a própria Dora Kalff.

M: E quando Dora veio a Los Angeles novamente, ela deu mais palestras e seminários?

H: Quando ela veio a Los Angeles, foi convidada por um hospital da região, onde deu palestras para o público. Também orientou analistas infantis que trabalhavam na clínica do hospital. Assisti a todas essas apresentações. Dora também foi para San Francisco, principalmente porque não gostava de ficar na Suíça durante o inverno. Ela treinou candidatos e analistas em San Francisco e Los Angeles. Participei da maior parte do treinamento em San Francisco também.

M: Então você fez a maior parte do seu treinamento com ela?

H: Sim. No entanto, depois, fui apresentada a Kay Bradway, que morava em San Francisco. Uma ou duas vezes por ano eu ia vê-la. Voava para San Francisco e mostrava os slides e conversava com ela sobre eles. Também fui para Nova York e trabalhei com Estelle Weinrib, depois de ler seu incrível livro “Imagens do Self”.

M: Com todos os precursores mais importantes nos Estados Unidos…

Então, se você fosse consultada por alguém que, atualmente, desejasse fazer uma formação para ser um terapeuta de sandplay, que conselho você daria?

H: Primeiro, antes de qualquer formação séria, sugeriria que as pessoas fizessem seus próprios processos. Para ver se, realmente, ao nos conectarmos com a areia e as miniaturas somos tocados naqueles lugares importantes dentro de nós que nos informam sobre aquilo que nos atrai ou não. Acredito que esse seja o ingrediente mais importante.

É aqui, dentro de nós, que encontraremos a resposta a essa pergunta.

M: No seu processo, houve algum símbolo significativo que a atraiu desde o início?

H: Acho que fui por fases. Quando estava com Dora, sua coleção de miniaturas era tão incrível… Inicialmente, eu queria usar tudo em sua coleção, mas isso era impossível. Então, deixei de lado minha parte pensante e, assim, usei apenas o que me atraía e segui meu instinto. Acho que simplesmente tinha que fazer dessa forma, em vez de seguir minha mente racional.

M: Como você vê o movimento do sandplay aqui nos Estados Unidos e no mundo?

H: Como eu vejo isso? Isso me preocupa. De outro lado, também me deixa feliz ver que muitas pessoas são tão responsivas. No entanto, quando vejo pessoas usando o sandplay de maneiras que, em minha opinião, não são produtivas, ou vejo pessoas usando-o na tentativa de  ganhar muito dinheiro, isso me entristece muito.

Eu vi, recentemente, uma pessoa fazendo propaganda online, dizendo que você poderia ter seus problemas resolvidos em uma semana se fizesse sandplay todos os dias com aquele profissional. Simplesmente não funciona assim.

É uma preocupação ver o sandplay sendo usado para algo que eu não respeito, quando poderia ser utilizado de um modo tão bonito, para ajudar as pessoas a descobrirem quem são e o que está acontecendo com elas, e tem um efeito tão curativo.

Então, quando esse tipo de coisa acontece, prejudica a beleza e o significado dessa técnica.

M: Não é usada da maneira como foi configurada originalmente.

H: É difícil ver esse tipo de coisa acontecendo. Também me preocupo com o fato de que muitas pessoas não passam por uma formação de excelência, tentando vivenciar seu próprio processo com este e aquele terapeuta. Quanto a mim, tive a sorte de poder ter mentores tão bons e, então, me apaixonei pelo método que me ajudou e a muitas pessoas que, acredito, não teriam sido facilmente ajudadas sem o sandplay.

M: Quais você acha que são os maiores erros que as pessoas cometem no sandplay?

H: Os maiores erros são que elas não são suficientemente bem formadas. Ouço todo tipo de histórias sobre a formação de algumas pessoas. Elas falam durante todo o processo, não há silêncio suficiente, usam a areia de formas diferentes, etc. Eu, no entanto, dedico-me a tentar ter reverencia e proporcionar uma experiência significativa para cada um dos meus pacientes. Mas, talvez, eu seja apenas uma garota à moda antiga

M: Por isso queremos ouvir sua opinião.

H: Eu acho que muitas vezes as pessoas falam demais e interpretam diretamente ali [durante a sessão de sandplay]. Não é que Dora não tenha falasse ou comentasse algo sobre o que era colocado na caixa de areia. Todavia, usar o método da maneira como foi concebido é o mais útil, especialmente com uma boa compreensão da psicologia junguiana. Dora Kalff veio de uma formação junguiana, ela própria era candidata [ao programa de formação de terapeutas junguianos]. Inicialmente, ela não tinha a formação, mas a concluiu posteriormente. Assim, fico incomodada com o fato de as pessoas usarem o sandplay de tantas maneiras que acabam perdendo a sacralidade da técnica.

M: Você esteve no Brasil em 2003. Do que você se lembra do trabalho com o sandplay no Brasil, ou você conhece o que está sendo feito no Brasil na atualidade?

H: Deixe-me voltar ao trabalho da minha experiência em 2003. Tenho certeza de que está diferente agora. Fiquei muito impressionada com o que vi. Não houve nada que me provocasse arrepios. Às vezes, me pergunto “o que essas pessoas estão pensando?”, mas não me lembro de ter me sentido assim no Brasil naquela ocasião. Vi respeito, reverência e uma boa formação. Essa foi a minha impressão. Ainda é assim?

M: Eu não saberia dizer muito, porque saí de lá em 2009, mas acho que há um grande interesse [pelo sandplay] no Brasil.

H: Senti que eles realmente fizeram de tudo para acertar.

M: Há alguma coisa que você queira enfatizar ou abordar sobre o sandplay que ainda não tenhamos tratado?

H: Eu uso terapia verbal e sandplay. Não uso apenas sandplay.Preciso saber quem são e onde estão as pessoas.Preciso saber seus sonhos.Preciso saber o que está acontecendo em suas vidas.Então, a análise de sonhos é importante. No entanto, nem todo mundo quer fazer isso, mas, se o fazem, entram em conexão mais profunda com sua psique. Nem todo mundo está preparado para isso. E, também, é preciso ter paciência.

Uma vez trabalhei com um homem que se sentia realmente desconfortável até em entrar na sala com as caixas de areia e as miniaturas. Então, um dia,quando veio ao meu consultório, apenas anunciou “estou pronto”. E entrou na sala e fez sandplay. Isso aconteceu apenas uma vez, mas ele entendeu, teve sua própria experiência naquele dia, e isso significou muito para ele também.

M: Você esta falando s obre respeitar o processo do cliente…

H: Sim, e tenho que respeitá-los quando eles não estão prontos para montar um cenário.

M: Penso que esse é um conselho importante para as pessoas interessadas em trabalhar com sandplay.

H: Sim, exatamente.

M: Levando em consideração todas as manifestações da psique, por assim dizer.

H: Tenho grande respeito pelo quão longe os clientes querem ou podem ir a qualquer momento.

M: Há algo mais que você queira nos dizer?

H: Deixe-me ver. Quero dizer que tenho um profundo respeito pela essência silenciosa do que se passa no sandplay e a conexão, a conexão inconsciente entre o terapeuta e o paciente. A cura vem com a interpretação adiada, o silêncio e um desestímulo deliberado do pensamento diretivo. Costumo dizer: “use a mente da sua criança [interior], não pense muito”.

M: Muito obrigada. Isso é muito útil.

H: Eu é que agradeço.


[1] MA – Master of Arts, equivalente ao mestrado.

[2] MFT – Master in Marriage and Family Therapy, equivalente ao mestrado em terapia familiar e de casal.

[3] PhD – Doctor of Philosophy, equivalente ao doutorado.

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